texto mais difícil

SER MULHER: UMA EXPERIÊNCIA MARCADA PELA VIOLÊNCIA

Esse provavelmente será o texto mais difícil que eu escreverei em toda minha vida! Ser mulher na nossa sociedade é uma vivência marcada pela violência. E, assim sendo, a minha história não haveria de ser a exceção à regra. A sua provavelmente também não é!

Mas, não se preocupe, esse não é um texto de dor! Pelo contrário, ele é uma afirmação de poder! O poder que apenas assumir e integrar a sua história de vida pode te proporcionar! O poder de assumir a narrativa da sua vida e contar, e construir, a sua própria história!

A Re-forma Visual nasceu em 2016 e o seu objetivo sempre foi muito claro pra mim: empoderar mulheres! E hoje, ao olhar para trás, eu consigo ver como o meu trabalho se entrelaça com a minha história de vida e o porquê ele tem tanto valor para mim.

A Re-forma Visual é muito mais do que a minha carreira. Ela é causa, valor de vida! O lugar de onde eu sinto que eu sou capaz de deixar a minha contribuição para que as próximas gerações de mulheres vivam em um mundo melhor!

Qando eu decidi começar a estudar e trabalhar com Psicologia da Moda, de alguma forma, intuitivamente e, também por experiência própria, eu sabia que um dos maiores, se não o maior, sabotadores das mulheres era a constante insatisfação com a própria imagem e a preocupação em estarmos sempre bonitas, jovens e dentro de um padrão específico.

INFÂNCIA

Eu não fui uma criança padrão! Veja bem, hoje eu sei que eu não era feia! Mas como muitas de vocês eu fui massacrada (não encontro palavra melhor) durante a infância e a puberdade e a arma usada sempre foi a minha imagem.

Meu cabelo cacheado foi alvo, meu corpo foi alvo, minha magreza foi alvo, meus pelos corporais foram alvos! Foram tantos anos assim que eu verdadeiramente acreditei que eu era feia! E que isso me tornava menos digna de amor, aceitação e sucesso!

Eu me lembro bem que uma das orações mais comuns na minha infância era uma conversa com Deus, pedindo para que em algum momento ele tivesse piedade de mim e para que eu pudesse me transformar em uma mulher adulta, bonita e com belos cabelos. E eu imaginava como seriam esses cabelos, com certa dose de esperança e tristeza.

Não me levem a mal, mas eu não vou me fazer de rogada e dizer que não tenho mágoas dessa época! Eu me lembro bem dela e optei por não manter boa parte das relações da época da escola em minha vida em função disso.

Mas voltando a história, somado a tudo isso eu sempre fui uma pessoa CDF, como dizem. Era super estudiosa, focada, mandona, bem virginiana mesmo! Isso fez com que eu demorasse a me interessar por temáticas adolescentes e meninos!

A PUBERDADE

Para dar o último toque de chefe, a puberdade demorou a chegar para mim: lá pro final dos meus 13 anos!

Nessa época, 2003, eu fui abusada por um estranho na rua! A puberdade dava seus primeiros sinais e eu ainda não a tinha percebido. E, junto com outras coisas, essa situação roubou de mim a experiência do primeiro beijo, tão esperada por qualquer adolescente.

E essa foi, muito provavelmente, a minha primeira grande experiência com a misoginia!

Que mulher não tem sua vida marcada pelo machismo?

Eu cresci em um lar feminino composto por minha mãe, minha vó e minha irmã mais nova. Meu pai nos abandonou quando eu ainda era muito pequena. Meu avô materno era alcoolista e agredia minha avó. Porém, antes de eu nascer ela se divorciou. E no ano em que eu nasci ele morreu de cirrose e nunca cheguei a conhecê-lo.

O machismo sempre marcou a minha história, seja pelo abandono parental, seja pela história marcada pela violência doméstica. Em função dessas histórias, eu cresci ouvindo para não confiar em homens, para não depender de homens. E, muito provavelmente, esse seja um dos motivos pelos quais eu valorizo tanto independência/autonomia e liberdade.

Mas acredite, poucas coisas marcam tanto a história de uma mulher como um abuso! E eu lembro bem das mais de duas horas que eu passei sozinha em um hipermercado tentando fazer contato em casa para alguém me buscar, mas sem conseguir, pois a linha estava ocupada pela internet discada.

Nessas mais de duas horas nenhuma pessoa se aproximou para verificar o que estaria acontecendo com aquela criança visivelmente perturbada e sozinha. NEM UMA PESSOA! Hoje, essa lembrança me dói mais do que a do abuso em si! Que sociedade é essa que não socorre uma criança visivelmente em apuros?

Eu consigo entender o que leva muitas mulheres a não pedirem ajuda, ou a levarem anos para pedi-la, quando se encontram em uma situação de violência. Enquanto sociedade ainda estamos habituados a não acreditarmos nelas e, consequentemente, a não socorrê-las.

Eu me lembro bem do sentimento devastador de desamparo que rapidamente foi substituído pela VERGONHA quando minha mãe e minha avó chegaram.

Eu tive vergonha do que tinha acontecido, senti culpa, como se fosse responsável por aquilo, e nunca cheguei de fato a contar o que havia acontecido até esse ano. Na época eu apenas disse que um homem havia passado a mão na minha bunda. Nunca mais consegui vestir a roupa que usava aquele dia (uma calça jeans larga e uma camiseta de gola alta e fechada).

A violência tem gênero!

Eu achei válido descrever a roupa que eu vestia, porque o abuso, assim como os casos de estupro, nunca estão relacionados com o que vestimos ou com a nossa imagem. Muito menos com sexo e desejo sexual. São práticas de dominação, subjugação e de imposição de poder!

“A violência não tem raça, nem classe, nem religião, nem nacionalidade; mas tem gênero. A violência é uma maneira de silenciar as pessoas, de negar-lhes a voz e a e a credibilidade, de afirmar que o direito de alguém de controlar vale mais do que o direito delas de existir, de viver” – Rebecca Solnit no livro Os homens explicam tudo pra mim.

Lembro ainda que, alguns dias depois do ocorrido, na tentativa de amenizar meu visível sofrimento, minha mãe chegou em casa contando que alguém tentara passar a mão na minha irmã, que estava com ela na rua. Reforçando um discurso de: olha só como isso é comum. Homens são assim mesmo!

Hoje eu compreendo as bases culturais e sociais, e muito provavelmente as feridas pessoais, que estavam por trás daquela fala. Mas na época fiquei revoltada. Me recusava a acreditar que isso era o mundo. Até hoje tenho problemas para aceitar determinados funcionamentos sociais! E não consigo viver sem que seja para melhorar tudo isso!

Uma parcela significativa das mulheres que você conhece é composta de sobreviventes de violência sexual! Todos conhecem no mínimo 1 mulher vítima de violência sexual, mas ninguém conhece um agressor.

AH 2004, POR QUE TÃO DURO?

Continuando a história, 2004 foi com toda certeza o pior ano da minha vida! A memória do abuso se somou a uma série de eventos desastrosos típicos (e alguns não tão típicos assim) da adolescência (sério 8ª série, porque tão dura comigo? rsrsr) e eu desenvolvi um episódio de anorexia nervosa!

Eu negava a puberdade que insistia em chegar, os seios que insistiam em crescer, o corpo que insistia em amadurecer. Tudo que eu queria era sumir e o que estava ao meu alcance era sumir com o meu corpo.

Foram quase dois anos em excesso de exercícios, restrições alimentares, controle de peso (eu tinha um caderno com metas, onde eu anotava tudo o que comia e meus “avanços”). Eu parei aos 45kg!

Como a maior parte dos casos de depressão e transtornos alimentares na adolescência eu passei despercebida, fora do radar. O padrão da época era anoréxico, o que contribuiu para que eu não tivesse ajuda profissional na época, porque ninguém percebia que algo errado estava acontecendo.

ENFIM, A ADOLESCÊNCIA

Em algum momento entre 2005 e 2006 os meninos começaram a perceber que eu estava “ficando bonita”. E é aqui que a história fica engraçada! De alguma maneira eu comecei a perceber isso também! E como que para reforçar essa percepção entrei no meu primeiro namoro, com o menino considerado o mais bonito da turma do bairro. Por três anos ele foi o meu troféu!

Mas a minha ficha só caiu mesmo por volta de 2007-2008, na época do pré-vestibular, quando eu percebi que eu recebia algumas regalias e algumas oportunidades diferenciadas em função da minha aparência.

Ali eu entendi o poder de uma mulher considerada bonita! E mais ainda: de uma mulher que sabia ser bonita e que se considerava bonita! E esse aprendizado me marcou para sempre!

A PSICOLOGIA NA MINHA VIDA

Nessa mesma época, entre 2007 e 2008, eu escolhi fazer Psicologia. E, como a maior parte das profissões, existe um estereótipo estético que costuma identificar psicólogos. E eu não pertencia àquela tribo. Nunca pertenci! Eu fui a criança que tinha o seu gosto por Britney Spears reconhecido pelas suas escolhas de roupas!

Recomendo que você termine de ler o texto ovindo a playlist “This is Britney Spears” no spotify!

Quando entrei na faculdade eu estava, visualmente, mais para patricinha mesmo! Mas, se você me acompanha, você sabe que a nossa imagem só é tão importante por conta da sua função social: criar vínculos e produzir pertencimento. Eu, portanto, me adaptei. E no final do curso já frequentava às aulas de saiões, chinelos e sem sutiã!

Em 2012 apresentando no Congresso da Rede Unida. O tema? Sexualidade na adolescêcia!

O primeiro estágio e a menina lobisomem

Como o universo nao dá ponto sem nó, a minha primeira cliente na vida era uma menina entrando na puberdade e com bastante pêlos corporais. Ela sofria tanto bullying, que a situação a havia levado a um medo intenso de se transformar em um lobisomem na lua cheia. E lá estava eu, nos primeiros períodos, atendendo meu primeiro caso, que era o quê? Uma menina com questões de autoimagem! Ah Universo!

Em 2010 eu me casei (uma das melhores decisões que eu já tomei) com uma pessoa que reforçava em mim esse padrão tilelê e que alimentava, junto com sua família, certos preconceitos com questões relacionadas à estética, moda, beleza, etc… E eu segui o embalo até aproximadamente 2015.

O INÍCIO DO DESPERTAR!

Um problema sério de saúde foi necessário para eu acordar! E o que eu sentia era falta de beleza na minha vida, de harmonia. Não essa beleza da capa de revista! Mas a beleza de uma vida de acordo com meus valores!

Ainda sem saber muito como sair daquele lugar, o que eu fazia? Comprava coisas bonitas! Descontroladamente!

Em 2016 eu me divorciei, apavorada de não conseguir sustentar a minha vida sem um homem! Mas eu consegui, muito bem obrigada!

Re-forma: o chamado!

No mesmo ano a Re-forma Visual nasceu! E eu entendi que ao trazer mais beleza para a vida das mulheres eu poderia também trazer mais confiança e, consequentemente, mais empoderamento! Mas eu ainda não tinha entendido tudo que eu precisava entender!

No meio do caminho tinha uma armadilha

Após o divórcio um dos meus relacionamentos foi abusivo. Bem ao estilo BBB20! Inclusive, na época, essa cena aí me deixou bastante perturbada dada à semelhança!

Como em qualquer relacionamento abusivo, minha potência enquanto mulher miguou e a minha vida literalmente secou! Foi preciso um esforço enorme para tudo voltar a fluir e florir!

Mas eu me lembro bem que, dentre outras coisas, a minha imagem e meu corpo, eram alvos novamente! A gota d’água pra mim e, provavelmente o começo do meu caminho para o término, foi um dia em que eu me percebi com uma distorção de auto percepção tão intensa que mais parecia uma alucinação! Dali até o fim ainda foi um longo caminho! Mas esse não é o ponto.

O ponto que eu quero chegar é que absolutamente nada disso foi em vão, ou sequer desnecessário. A minha vida é insistentemente perpassada pelas questões do feminino, do corpo e da imagem! Eu sou constantemente lembrada de como estar satisfeita consigo mesma é poderoso e protetivo!

POR QUE ESTAR SATISFEITA COM A SUA IMAGEM É TÃO IMPORTATE?

Uma boa autoestima e satisfação com a nossa aparência e com quem somos nos protege de relacionamentos abusivos, de transtornos alimentares, de compras compulsivas! Nos torna potentes, poderosas, empoderadas!

Eu estive em todos esses lugares. E posso dizer com muita segurança que a Re-forma Visual não é sobre estética. Meu trabalho não é deixar você bem vestida!

A Re-forma Visual existe para

  • Que você finalmente se sinta satisfeita com você mesma;
  • Reconheça seu valor e não o deixe ser questionado por mais ninguém.
  • Pare de reproduzir discursos machistas e o mito da beleza.
  • Para que mulheres possam se tornar inteiras antes de serem mães e, assim, sejam capazes de criar uma nova geração de mulheres menos refém da juventude eterna, da magreza ideal, mais livre da competição entre mulheres e do machismo.
  • Para que despertemos para esse sistema que mantém mulheres em lugares controláveis através da produção constante da sua insatisfação. O que nos leva a caçadas intermináveis em busca de juventude, beleza, magreza, aceitação.

Os homens não renunciarão facilmente a um sistema em que metade da população do mundo trabalha por quase nada e gasta o pouco que recebe e quase toda a energia que possui nessa caçada pela beleza, mantendo assim sua dependência, não lhes restando energia para lutar por seja lá o que for. Manter você insatisfeita é uma forma de te calar!

"Quanto mais perto do poder as mulheres chegam, maiores são as exigências de sacrifício e preocupação com o físico" (WOLF, Virgínia. 2018).

Enquanto você se ocupa com o mito da beleza tem homens ocupando lugares que poderiam ser seus!

A RE-FORMA VISUAL É A MINHA VOZ!

Então, a Re-forma é a minha forma de gritar: BASTA!

É a minha forma de te ajudar a acordar e chegar nos lugares que você deseja alcançar! A minha maneira de te mostrar o quanto você já é bonita, potente, poderosa e suficiente! E, principalmente, a minha forma de deixar o mundo melhor, ao deixar para ele mulheres melhores!

Tomemos os nossos devidos lugares! Sejamos tão grandes quanto somos capazes de ser!

Chega a ser engraçada a sensação de que todos os passos da minha vida me trouxeram até aqui. Inclusive os percalços e os traumas. Sem tudo isso nada do que eu sou hoje seria possível! Como se eu, sem saber, cumprisse, desde o início um roteiro pré-escrito, que me traria até aqui, para que toda a minha potência pudesse ser liberada e eu deixasse para o mundo o que hoje eu acredito ser a minha maior contribuição social!

É claro que eu tenho mágoas, mas me sinto tão grata por tudo isso que, se não fosse assim, não teria forças para contar tudo isso para vocês!

Eu não poderia mesmo estar em outro lugar, fazendo qualquer outra coisa. E hoje eu entendo!

Eu quero que todas as mulheres do mundo vejam e entendam a potência que existe dentro de cada uma, apenas esperando que vocês estejam satisfeitas com quem são! Que se sintam bonitas, merecedoras de todo amor e pertencimento, que vocês têm valor e são capazes das coisas mais improváveis que vocês talvez nem sequer se permitem sonhar!

Vamos sonhar (e conquistar) juntas?

Segura na minha mão e vem!

7 thoughts on “SER MULHER: UMA EXPERIÊNCIA MARCADA PELA VIOLÊNCIA”

  1. Uau! Tão forte, consegui me enxergar em vários das situações que citou! Obrigada e parabéns pela coragem de compartilhar isso que com toda certeza foi muito difícil para você.

  2. Parabéns pelo depoimento e por se tornar inspiração a todas nós que temos problemas com a imagem. Minha busca insessante é por um corpo magro, mas tenho 3 filhos, 5 gravideze… Gosto d cozinhar, comer e engordo com muita facilidade. Sou psicóloga e não busco ajuda porque eu preciso aceitar assim como eu sou. E a cobrança sempre vem dos marido e pais. É uma encruzilhada emocional rsrsrs mas vamos lutando!

    1. Oi Deborah! Obrigada por compartilhar. Imagino como seja difícil e a gente cai mesmo nessa cilada de achar que precisa se aceitar a qualquer custo, quando na verdade isso é apenas trocar 6 por meia dúzia. Aceitação apenas para seguir a regra de “tenho que me aceitar como sou” também não é aceitação. É preciso que a gente de fato veja e compreenda o que nos torna satisfeitas e, as vezes, fazer mudanças em busca de mais satisfação pode sim ser saudável e benéfico! E se sentir que precisa de ajuda para chegar lá, não hesite em procurar! Isso também é se valorizar! E, precisando de qualquer coisa, estou aqui! <3

  3. Me identifiquei com o relato. Sinto necessidade de mudar a minha imagem pessoal, mas algo me trava e nao consigo vestir coisas bonitas, que me valorizem. Parece uma especie de vergonha… Estou sempre mal arrumada e tenho noção da aparente falta de cuidado que transmito. Imagino que devo ter a autoestima super baixa. Eu tambem fui abusada, tinha 2 anos de idade e esse abusador trabalhou na minha casa até meus 10 anos. Eu de alguma forma interpretei que a culpa foi minha e como ele sempre me chamava de “perna de saracura”, eu aprendi que tinha que me esconder nas roupas. So usei roupa larga e escura até entender com 25 anos de onde vinha esse meu costume de não chamar a atençao, graças aos relatos do #meuprimeiroabuso, no facebook. Desculpa pelo comentário imenso. Rsrsr

  4. Adorei Seri texto.. sou estudante de psicologia e também conheci muitas histórias nos meus 30 de professora de jovens e adultos. Mulheres destruídas em buscar de reconstrução. Gostaria der trabalhar com mulheres e agitou estima mas não está muito claro ainda pra mim o caminho . Admiro você minha linda!! Estou muito feliz com teu sucesso! É sororidade e amor esta linda profissão. Aceito sugestões de engrandecer o caminho.

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